O Elefante
Carlos Drummond de Andrade
Fabrico um elefante
de meus poucos recursos
Um tanto de madeira
tirado a velhos móveis
talvez lhe dê apoio .
E o encho de algodão ,
de paina , de doçura .
A cola vai fixar
Suas orelhas pensas .
A tromba de enovela ,
É a parte mais feliz
de sua arquitetura .
Mas há também as presas ,
dessa matéria pura
que não sei figurar .
Tão alva essa riqueza
a espojar-se nos circos
sem perda ou corrupção .
E há por fim os olhos ,
onde se deposita
a parte do elefante
mais fluida e permanente ,
alheia a toda fraude .
Eis meu pobre elefante
pronto para sair
à procura de amigos
num mundo enfastiado
que já não crê nos bichos
e duvida das coisas .
Ei-lo , massa imponente
e frágil , que se abana
e move lentamente
a pele costurada
onde há flores de pano
e nuvens , alusões
a um mundo mais poético
onde o amor reagrupa
as formas naturais .
Vai meu elefante
pela rua povoada ,
mas não o querem ver
nem mesmo para rir
da cauda que ameaça
deixá-lo ir sozinho .
É todo graça . embora
as pernas não ajudem
e seu ventre balofo
se arrisque a desabar
ao mais leve empurrão .
Mostra com elegância
sua mínima vida ,
e não há na cidade
alma que se disponha
a recolher em si
desse corpo sensível
a fugitiva imagem ,
a passo desastrado
mas faminto e tocante .
Mas faminto de seres
e situações patéticas ,
de encontros ao luar
no mais profundo oceano ,
sob a raiz das árvores
ou no seio das conchas ,
de luzes que não cegam
e brilham através
dos troncos mais espessos .
Esse passo vai
sem esmagar as plantas
no campo de batalha ,
a procura de sítios ,
segredos , episódios
não contados em livro ,
de que apenas o vento ,
as folhas , a formiga
reconhecem o talhe ,
mas que os homens ignoram ,
pois só ousam mostrar-se
sob a paz das cortinas
à pálpebra cerrada .
E já tarde da noite
volta meu elefante ,
mas volta fatigado,
as patas vacilantes
se desmancham no pó .
Ele não encontrou
o que carecia ,
o de que carecemos ,
eu e meu elefante ,
em que amo disfarçar-me .
Exausto de pesquisa ,
caiu-lhe o vasto engenho
como simples papel .
A cola se dissolve
e todo o seu conteúdo
de perdão , de carícia ,
de pluma , de algodão ,
jorra sobre o tapete ,
qual mito desmontado .
Amanhã recomeço .
Carlos Drummond de Andrade
Fabrico um elefante
de meus poucos recursos
Um tanto de madeira
tirado a velhos móveis
talvez lhe dê apoio .
E o encho de algodão ,
de paina , de doçura .
A cola vai fixar
Suas orelhas pensas .
A tromba de enovela ,
É a parte mais feliz
de sua arquitetura .
Mas há também as presas ,
dessa matéria pura
que não sei figurar .
Tão alva essa riqueza
a espojar-se nos circos
sem perda ou corrupção .
E há por fim os olhos ,
onde se deposita
a parte do elefante
mais fluida e permanente ,
alheia a toda fraude .
Eis meu pobre elefante
pronto para sair
à procura de amigos
num mundo enfastiado
que já não crê nos bichos
e duvida das coisas .
Ei-lo , massa imponente
e frágil , que se abana
e move lentamente
a pele costurada
onde há flores de pano
e nuvens , alusões
a um mundo mais poético
onde o amor reagrupa
as formas naturais .
Vai meu elefante
pela rua povoada ,
mas não o querem ver
nem mesmo para rir
da cauda que ameaça
deixá-lo ir sozinho .
É todo graça . embora
as pernas não ajudem
e seu ventre balofo
se arrisque a desabar
ao mais leve empurrão .
Mostra com elegância
sua mínima vida ,
e não há na cidade
alma que se disponha
a recolher em si
desse corpo sensível
a fugitiva imagem ,
a passo desastrado
mas faminto e tocante .
Mas faminto de seres
e situações patéticas ,
de encontros ao luar
no mais profundo oceano ,
sob a raiz das árvores
ou no seio das conchas ,
de luzes que não cegam
e brilham através
dos troncos mais espessos .
Esse passo vai
sem esmagar as plantas
no campo de batalha ,
a procura de sítios ,
segredos , episódios
não contados em livro ,
de que apenas o vento ,
as folhas , a formiga
reconhecem o talhe ,
mas que os homens ignoram ,
pois só ousam mostrar-se
sob a paz das cortinas
à pálpebra cerrada .
E já tarde da noite
volta meu elefante ,
mas volta fatigado,
as patas vacilantes
se desmancham no pó .
Ele não encontrou
o que carecia ,
o de que carecemos ,
eu e meu elefante ,
em que amo disfarçar-me .
Exausto de pesquisa ,
caiu-lhe o vasto engenho
como simples papel .
A cola se dissolve
e todo o seu conteúdo
de perdão , de carícia ,
de pluma , de algodão ,
jorra sobre o tapete ,
qual mito desmontado .
Amanhã recomeço .
Um comentário:
ah... adoro esse poema :)
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